Esta é a ditosa pátria minha amada?
Um professor de história que tive há cerca de quinze anos Pereira de Carvalho apresentou a melhor definição de Pátria que até hoje os meus olhos leram; disse ele, Pátria, é Terra de Antepassados. E é. E não há melhor definição; pelo menos no meu entendimento ou pelo menos por enquanto - também no meu entendimento.
Terra de Antepassados, embora sendo uma expressão formada por poucos caracteres, constitui um universo composto por: pessoas; feitos; ideias e ideais. Tudo o que foram, tudo o que fizeram e tudo o que deixaram por fazer. Que ficou registado, que ficou na história; na história das pessoas do país e nas pessoas de um país com história.
Desde Afonso Primeiro que assim é. Estão lá todos e nós sabemos quem são ou quem foram: os bons, os maus, os menos bons e os muito maus; todos contribuíram para aquilo que hoje somos, todos fazem parte da nossa Terra de Antepassados, da Pátria cantada e enaltecida por poetas como Camões ou enegrecida e amaldiçoada por Jorge de Sena. Os dois mostrando sentimento; cada um cantando a sua verdade.
É uma Pátria estranha; esta que herdámos dos sucessores de Afonso. Pelo menos esta que hoje assim se nos apresenta. Pelo menos esta que deixou de moldar os homens em torno de ideais e o passou a fazer, ou a deixá-la fazer, apenas orientado por ideias; pequenas acções de momento, destinadas ao imediato à vista sem terem em conta a abrangência futura, o horizonte lá longe para o qual é preciso levantar os olhos do chão, desagrafando-os de cada umbigo.
É uma Pátria injusta; esta que se rege por nivelamentos negativos se um tem e outro não, não se dá ao que não tem; tira-se ao que tem. Esta que quer impor igualdades mantendo diferenças; esta que não sabendo honrar os seus heróis, se entretém a produzir mitos de plástico em noites e dias nublados sem nevoeiro; como se Sebastião voltasse ou como se valesse a pena voltar.
É uma Pátria anónima; esta que coloca nas ruas toponímia placas de identificação sem dizer quem foram, quando nasceram, quando morreram e o que fizeram para que figurem ali, despertados e entardecidos, mas imortalizados pelo tempo. Não estão todas as ruas e avenidas assim identificadas, mas são muitas; são demais.
É uma Pátria opaca; esta que aplaude a existência de quintas de coisas; de celebridades de plástico; de esquadrões contra natura e outras tantas muitas, infelizmente mais que muitas e demais, ocupando mentes e multidões em distracção de lazer fugaz, em pedradas fúteis e mesquinhas que apenas apelam à parte bruta do ser humano, estupidificando-o ou assumindo-o como já estupidificado.
É uma Pátria hipócrita; esta que se ocupa em discussões abortadas, misturando direitos com deveres; consciência individual com liberdade de decisão; realidade com ficção; dicotomias com simbioses; vida com morte; nascença com vivença.
É uma Pátria inculta e ignorante; esta que vive da memória de impérios desencontrados e de glórias perdidas e passadas, ignorando a história ou esquecendo a memória. Uma história sem memória nunca poderá ser a memória da história.
É uma Pátria afogueada, triste e amargurada; esta que tão bem sabe fingir, que tão bem sabe olhar para o lado, que assobia como ninguém, que se estende ao sol de Agosto, que está (sempre) de consciência tranquila, que se almofada encadeirado à secretária, que ensurdece e enrouquece ao telemóvel, que conduz nas estradas melhor que todos e melhor que tudo, eremitando-se e anoitecendo-se em abismos e falésias de praias nuas, que se diluem no voar aleatório de gaivotas desnorteadas, perdidas e desencontradas.
Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, fizestes o que devíeis; ela o que costuma Padre António Vieira. É uma verdade ingrata, não é?...como a Pátria!
Talvez esta não seja, a ditosa pátria minha amada nem o torpe dejecto de romano império; talvez não seja esta a pátria que eu mereço ou que me merece. Mas é esta a minha Pátria; é esta a minha Terra de Antepassados.
António J. Branco
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